Figura 1 - Assoreamento do leito do rio Jequitinhonha, próximo a cidade de Coronel Murta |
O rio Jequitinhonha nasce a uma altitude aproximada
de1.378 metros, e sua bacia hidrográfica está limitada ao norte pela bacia do
rio Pardo, a oeste pela Serra do Espinhaço, e ao sul por uma cadeia de
Serras. Sua extensão é de cerca de 1.100 metros, e apresenta como principais
tributários os rios Itacambiruçu, Vacaria, Salinas, São Pedro, e São Francisco
pela margem esquerda, e o Araçuaí, Piauí, São João e São Miguel pela margem
direita. Sua bacia hidrográfica ocupa uma área de cerca de 69.718 km2,
e abrange cerca de 11,3% do território mineiro.
Atualmente, os principais usos de água na bacia do
Jequitinhonha são o abastecimento humano (urbano e rural) e a irrigação. A
mineração e o garimpo, usos não-consultivos, têm promovido degradação da
qualidade da água e mananciais nas regiões, também afetadas pelo problema de
falta de esgotamento sanitário na área urbana. A agricultura e pecuária,
exploradas em áreas ribeirinhas, principalmente para subsistência e com baixo
nível tecnológico, também promoveram degradação e assoreamento ao longo dos
anos.
Cronologicamente, as intervenções
públicas na região em estudos para fins de irrigação iniciaram-se na década de
80, por iniciativa quase que exclusiva do governo do Estado. Dentre os
principais projetos citam-se: Projeto de Perenização de Cursos D‟água Para Usos
Múltiplos nas Bacias dos Rios Jequitinhonha e Pardo (1993 -CEMIG); Plano Diretor
de Recursos Hídricos dos Vales dos Rios Pardo e Jequitinhonha – PLANVALE (1995-RURALMINAS);
Projeto Pólos de Irrigação dos Vales do Jequitinhonha e Pardo em Minas Gerais –
PDI-JEPAR (RURALMINAS); e Programa de Desenvolvimento Sustentável e
Integrado do Norte de Minas e dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri –PROVALES
(1995 e 2003 - RURALMINAS).
O potencial hidrelétrico das bacias dos rios Pardo e Jequitinhonha é estimado em
cerca de 2.600 MW, estando efetivamente implantadas apenas as UHE de Irapé e
Salto da Divisa no rio Jequitinhonha. A existência de projetos hidrelétricos
restringe a utilização dos deflúvios existentes para outros usos nas bacias.
Além disso, a rede de distribuição de energia depende de subestações fora
da região e de linhas de transmissão de média e baixa tensão pelo que não
suporta novos projetos de irrigação, fato limitador ao uso do potencial da
agricultura irrigada nessas bacias.
De acordo com Deliberação Normativa do CERH/MG, nº 06/2002 e suas alterações a
bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha foi dividida em três Unidades de
Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos – UPGRH's, quais sejam: JQ1 - Alto
jequitinhonha; JQ2 - Rio Araçuaí; e JQ3 - Médio Baixo Jequitinhonha. Estas UPGRHs foram estabelecidas visando a implantação dos instrumentos da Política
Estadual e da gestão descentralizada dos recursos hídricos no Estado de Minas
Gerais.
Conforme estudos realizados no âmbito do programa HIDROTEC a área de drenagem da bacia hidrográfica do rio Jequitinhonha em território mineiro corresponde a 65.750 km2. Ocupa o sexto e quinto lugar em termos de produção de água (vazões mínimas e médias, respectivamente) e contribui com 2,2% da vazão mínima (Q7,10) produzida no Estado. Em termos de produtividade hídrica (Q7,10 em L/s.km2) ocupa, no ranking estadual, o décimo segundo lugar.
Neste trabalho descreve-se os estudos hidrológicos desenvolvidos e implementados em sistemas de informações geográficas objetivando-se estimar as potencialidades e disponibilidades hídricas em qualquer seção fluvial dos cursos d'água das bacias hidrográficas do rio Jequitinhonha.
Com base na técnica de regionalização hidrológica utilizando-se o programa computacional RH4.0 e as informações de 22 estações fluviométricas abrangendo o período de série histórica de 1950 a 2010, foi possível estimar as seguintes variáveis e funções hidrológicas: vazões médias de longo período, vazões máximas, vazões mínimas, curvas de permanência e curvas de regularização. As estações utilizadas foram: Alfredo Graça, Araçuaí, Barra do Salinas, Carbonita, Fazenda Boa Sorte-Jusante, Fazenda Cajueiro, Fazenda Facão, Grao Mogol (Faz.Jambeiro), Itaobim, Itapebi, Itira, Jacinto, Jequitinhonha (Pcd Inpe), Mendanha-Montante, Minas Novas, Pega, Ponte Alta, Ponte Vacaria, Porto Mandacaru, Porto Santana, São João Grande, Vila Terra Branca..
A precipitação média nas sub-bacias, utilizando 20 estações pluviométricas, foi calculada utilizando-se o método de Thiessen. As estações utilizadas foram: Belmonte, Itapebi, Jacinto, Fazenda Cajueiro, Itaobim, Jequitinhonha (Pcd Inpe), São João Grande, Itinga, Medina, Coronel Murta, Porto Mandacaru, Pega, Grão Mogol, Padre Paraíso, Alfredo Graça, Carbonita, Capelinha, Fazenda Facão, Vila Terra Branca - Jusante, Mendanha - Montante.
A caracterização das regiões hidrologicamente homogêneas foi obtida por meio de critérios físicos e estatísticos, baseados no escoamento superficial, características fisiográficas, distribuição de freqüência das vazões adimensionalizadas e nos resíduos da equação de regressão múltipla da vazão média.
Aplicaram-se as distribuições de probabilidades de Gumbel, log-normal a dois e tres parâmetros, Pearson tipo III e log-Pearson tipo III para representar os eventos máximos, e as distribuições log-normal a tres parâmetros, Pearson tipo III, log-Pearson tipo III e Weibull para representar os eventos mínimos. Os parâmetros das distribuições foram estimados pelo método dos momentos, enquanto a eficiência do ajustamento foi testada pelo método de Kolmogorov-Smirnov.
Empregando os modelos das vazões e funções específicas (curvas de permanência e de regularização) estatisticamente ajustadas nas regiões hidrologicamente identificadas nos estudos hidrológicos e utilizando-se o ambiente de sistemas de informações geográficas, procedeu-se a geração e o armazenamento das variáveis regionalizadas, em pontos eqüidistantes ao longo de todos os cursos d'água da região estudada.
Foram identificadas três regiões hidrologicamente homogêneas quais sejam: Região I: Das nascentes do rio Jequitinhonha até sua confluência com o rio Aracuaí, abrangendo uma área de 24.211 km2; Região II: Das nascentes do rio Araçuaí até sua foz no rio Jequitinhonha com uma área de drenagem de 16.243 km2 e Região III: Restante da bacia do rio Jequitinhonha até sua foz no oceano Atlântico, com uma área de drenagem de 29.264 km2.
Aplicaram-se dois métodos de regionalização de vazão. O primeiro ajusta distribuições teóricas de probabilidades as séries históricas de vazões de cada estação, para diferentes períodos de retorno e, a seguir, aplica regressão múltipla entre estas vazões e as características físicas e climáticas das sub-bacias. O segundo adimensionaliza as curvas individuais de probabilidades, com base em seu valor médio e estabelece uma curva adimensional regional média das estações com a mesma tendência. O valor médio (das mínimas e das máximas) é regionalizado em função das características físicas e climáticas das sub-bacias, através de uma equação de regressão múltipla.
Os resultados da aplicação dos métodos de regionalização nas vazões mínimas e máximas nas tres regiões hidrologicamente homogêneas identificadas neste estudo, indicaram método II. A vazão média de longo período foi regionalizada desconsiderando o nível de risco, ou seja, com base apenas nas estatísticas dos resultados da aplicação da regressão múltipla da vazão média com as características físicas e climáticas das sub-bacias em estudo.
As distribuições que apresentaram melhor ajustamento foram a de Weibull, nos eventos mínimos e a de Gumbel nos eventos máximos.
Os melhores modelos de regressão foram selecionados, eliminando-se as variáveis que não apresentavam contribuições significativas quanto ao coeficiente de determinação ajustado, menor erro padrão fatorial e a aplicação do teste F.
Para as vazões médias de longo período e máximas diárias anuais as variáveis selecionadas foram a área de drenagem da bacia e a densidade de drenagem.
Para as vazões mínimas de sete dias de duração, as variáveis selecionadas para a região I foram a área de drenagem da bacia e a precipitação média anual, enquanto que para as regiões II e III a área de drenagem e a densidade de drenagem foram as variáveis que permaneceram nos modelos para os períodos de retorno de 2, 5 e 10 anos.
Já para as vazões máximas diárias anuais para os períodos de retorno de 2 a 500 anos, as variáveis selecionadas para as três regiões foram a área de drenagem da bacia e a densidade de drenagem. As demais variáveis acrescentaram pouca informação a regressão.
Quanto as vazões obtidas da curva de permanência com probabilidades de 50% e 95%, as variáveis selecionadas para a região I foram a área de drenagem da bacia e a precipitação média anual. Nas regiões II e III foram selecionadas a área de drenagem da bacia, o comprimento do curso d'água principal e a densidade de drenagem.
Foi realizada uma análise comparativa entre a vazão obtida da curva de permanência para probabilidade de 95% e a vazão mínima de sete dias de duração e período de retorno de 10 anos. Os resultados mostraram que as vazões analisadas apresentaram valores próximos para pequenas bacias de drenagem (em torno de 1.200 km2); e que as vazões com probabilidades de 95% apresentaram valores superiores a vazão mínima de sete dias de duração e período de retorno de 10 anos, com o aumento das áreas das bacias.
Quanto as curvas de regularização, foram identificadas também três regiões hidrologicamente homogêneas. Por meio da curva regional de cada região e da vazão média de longo período, no local de interesse foi possível estimar o volume necessário a regularização de vazões.
Observando os limites das regiões hidrologicamente homogêneas, verifica-se que os modelos encontrados neste trabalho permitem, em qualquer seção dos cursos d'água da bacia do rio Jequitinhonha, estimar:
a) |
vazões mínimas de sete dias de duração, associadas aos períodos de retorno de 2, 5 e 10 anos |
b) |
vazões máximas diárias anuais, associadas aos períodos de retorno de 2, 5, 10, 20, 50, 100 e 500 anos |
c) |
vazões médias de longo período |
d) |
vazões com permanência de 50% a 95% |
e) |
volumes para regularização de vazões em
reservatórios |
É importante registrar que nos estudos hidrológicos (regionalização hidrológica) realizados no âmbito do programa HIDROTEC, que serviram de base para elaboração do “Atlas Digital das Águas de Minas”, foram utilizados séries históricas de 318 estações fluviométricas (sub-bacias) e 378 estações pluviométricas. As referidas estações hidrológicas foram importadas de arquivos disponibilizados na internet pela Agência Nacional de Águas (ANA), através do sistema de Informações Hidrológicas (HidroWeb), no endereço (http://hidroweb.ana.gov.br).
A aplicação da tecnologia contida nesse website permitirá que os órgãos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos em níveis federal, estadual e de bacia hidrográfica, obtenham informações confiáveis quanto à disponibilidade de água a fim de possibilitar o melhor atendimento às demandas de outorga de direito de uso de água, bem como fornecerá tecnologia adequada aos usuários interessados no planejamento, dimensionamento e manejo de projetos, que demandam uso consuntivo desse precioso líquido.
Dentro os projetos e obras hidráulicas que mais utilizam as tecnologias geradas citam-se: vertedores de barragens, diques marginais, canais, bueiros, galerias pluviais, pontes, projetos de irrigação e drenagem, projetos de abastecimento d'água e de pequenas centrais hidrelétricas, estudos da qualidade da água, volume de regularização, outorga de uso de água superficial, navegação, controle de enchentes e seca, sistemas de drenagem dentre outros.
As informações hidrológicas regionalizadas desta sub-bacia em estudo, como das demais bacias hidrográficas do estado de Minas Gerais, estão disponíveis através de mecanismos de busca a qualquer usuário conectado a Internet no endereço http://www.atlasdasaguas.ufv.br.
A consistência metodológica, aqui descrita, resultou de uma análise realizada em bacias hidrográficas cujas áreas de contribuição variaram de 1.391 a 23.815 km2 na Região I, de 1.073 a 16.230 km2 na Região II e de 1.283 a 67.769 km2 na Região III. Certa cautela é aconselhável, no caso de estimativas para bacias fora destes intervalos.
Ressalta-se aqui a necessidade de otimização da rede higrométrica local, pelo aumento do número de estações e recuperação daquelas que sejam deficientes.
Este estudo deverá ser atualizado assim que se tornem disponíveis séries mais longas das estações selecionadas e/ou novas estações fluvio-pluviométricas.
Segunda regionalização (atualização) realizada em 2004: Humberto Paulo Euclydes; Paulo Afonso Ferreira e Reynaldo Furtado Faria Filho.
Terceira regionalização (atualização) realizada em 2011: Humberto Paulo Euclydes; Paulo Afonso Ferreira; Reynaldo Furtado Faria Filho e Elvis Paulo de Oliveira.
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Fonte: EUCLYDES et al. (2011n1)