Figura 1- Confluência do rio Piranga e ribeirão do
Carmo, formando o rio Doce |
A bacia hidrográfica do rio Doce apresenta uma significativa extensão territorial, cerca de 83.400 km2, dos quais 86% pertencem ao Estado de Minas Gerais e o restante ao Estado do Espírito Santo. Abrange, total ou parcialmente, áreas de 228 municípios, sendo 202 em Minas Gerais e 26 no Espírito Santo e possui uma população total da ordem de 3,1 milhões de habitantes.
O rio Doce, com uma extensão de 853 km, tem como formadores os rios Piranga e Carmo, cujas nascentes estão situadas nas encostas das serras da Mantiqueira e Espinhaço, onde as altitudes atingem cerca de 1.200 m. Seus principais afluentes são: pela margem esquerda os rios Piracicaba, Santo Antônio e Suaçuí Grande, em Minas Gerais, Pancas e São José, no Espírito Santo; pela margem direita os rios Casca, Matipó, Caratinga-Cuieté e Manhuaçu, em Minas Gerais, e Guandu, no Espírito Santo.
O rio Piranga é considerado o principal formador do rio Doce, que recebe este nome quando do encontro do rio Piranga com o rio do Carmo. O rio Piranga nasce nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço, limites oeste e sul da bacia, no município de Ressaquinha, em Minas Gerais, e o rio do Carmo nasce no município de Ouro Preto.
De maneira geral, as nascentes dos formadores do rio Doce estão em altitudes superiores a 1.000 m. Ao longo de seu curso, sobretudo a partir da cidade de São José do Goiabal, o rio Doce segue em altitudes inferiores a 378 m. Suas águas percorrem cerca de 853 km desde a nascente até o oceano Atlântico, no povoado de Regência, no Estado do Espírito Santo.
Para se ter uma idéia da sua importância econômica, deve-se saber que a bacia abriga o maior complexo siderúrgico da América Latina. Três das cinco maiores empresas de Minas Gerais no ano de 2000, a Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, a ACESITA e a USIMINAS, lá operam. Além disso, lá se encontra a maior mineradora a céu aberto do mundo, a Companhia Vale do Rio Doce. Tais empreendimentos industriais, que apresentam níveis de qualidade e produtividade industrial que estão entre os maiores do mundo, desempenham papel significativo nas exportações brasileiras de minério de ferro, aços e celulose. Além deles, a bacia contribui na geração de divisas pelas exportações de café (MG e ES) e polpa de frutas (ES).
Originalmente coberta por Mata Atlântica, a intensa devastação restringiu o revestimento florístico originário basicamente à área do Parque Estadual do Rio Doce. As demais matas correspondem a uma vegetação que sofreu influência antrópica intensa, constituindo-se em vegetação secundária. Estima-se que menos de 7% da área possui hoje cobertura vegetal (Fonseca, 1983 e 1985, in UFMG/PADCT, 1997). Destes, menos de 1% encontra-se em estágio primário (Mittermeier et alli, 1982; Fonseca, 1985 - in UFMG/PADCT, 1997).
Segundo pesquisas realizadas pela Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC, 95% das terras da bacia constituem pastos e capoeiras, demonstrando a predominância da atividade pecuária. As espécies mais difundidas na formação de pastagens são o capim gordura (Melinis minutiflora) em áreas situadas acima da cota altimétrica de 800 m e o colonião (Panicum maximum) abaixo dessa altitude. As florestas plantadas, constituídas principalmente por espécies do gênero Eucaliptus, são expressivas no médio rio Doce. Quase todos os reflorestamentos pertencem às siderúrgicas Acesita e Belgo Mineira ou à Cenibra, produtora de celulose. Os campos e áreas cultivadas apresentam-se em menores proporções.
Devido às características dos solos da bacia do rio Doce e ao manejo inadequado,
a erosão tem se tornado um dos maiores problemas ambientais na região. A
capacidade de geração de energia nessa bacia é de cerca de
4.055 MW, sendo: 320 MW instalados; 18 MW em construção; 282 MW em projetos
básicos; 378 MW em estudos de viabilidade; e 3.029 MW inventariados.
De acordo com Deliberação Normativa do
CERH/MG, nº 06/2002 e suas alterações a bacia hidrográfica do rio Grande foi
dividida em seis Unidades de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos – UPGRH,
quais sejam: DO1 - Rio Piranga; DO2 - Rio Piracicaba; DO3 - Rio Santo Antônio;
DO4 - Rio Suaçuí; DO5 - Rio Caratinga; e DO6 - Águas do Rio Manhuaçu. Estas UPGRHs foram estabelecidas visando a implantação dos
instrumentos da Política Estadual e da gestão descentralizada dos recursos
hídricos no Estado de Minas Gerais.
Conforme estudos realizados no âmbito do programa HIDROTEC a área de drenagem da bacia hidrográfica do rio Doce em território mineiro corresponde a 71.250 km2. Ocupa o terceiro e quarto lugar em termos de produção de água (vazões mínimas e médias, respectivamente) e contribui com 15,5% da vazão mínima (Q7,10) produzida no Estado. Em termos de produtividade hídrica (Q7,10 em L/s.km2) ocupa, no ranking estadual, o quinto lugar.
Neste trabalho descreve-se os estudos hidrológicos desenvolvidos e implementados em sistemas de informações geográficas objetivando-se estimar as potencialidades e disponibilidades hídricas em qualquer seção fluvial dos cursos d'água da bacia hidrográfica do rio Doce.
Com base na técnica de regionalização hidrológica utilizando-se o programa computacional RH4.0 e as informações de 60 estações fluviométricas abrangendo o período de série histórica de 1950 a 2010, foi possível estimar as seguintes variáveis e funções hidrológicas: vazões médias de longo período, vazões máximas, vazões mínimas, curvas de permanência e curvas de regularização. As estações utilizadas foram: Piranga, Braz Pires, Senador Firmino, Porto Firme, Fazenda Varginha, Ponte Nova-Jusante (Pcd Inpe), Fazenda Paraíso, Acaiaca - Jusante, Fazenda Ocidente, São Miguel do Anta, Rio Casca, Fazenda Cachoeira D'antas, Matipó, Raul Soares - Montante, Abre Campo, Inst. Florestal Raul Soares, Cachoeira dos Óculos - Montante, Bom Jesus do Galho, Pingo D'agua, Rio Piracicaba, Carrapato (Brumal), Mario de Carvalho (Pcd Inpe) ,Cachoeira Escura, Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Ferros, Fazenda Barraca, Senhora do Porto, Naque Velho, Fazenda Corrente, Porto Santa Rita, Governador Valadares (Pcd Inpe), São Pedro do Suacui, Santa Maria do Suacui, Fazenda Urupuca, Vila Matias - Montante (Pcd Inpe), Campanário, Jampruca, Tumiritinga, Dom Cavati, Barra do Cuietê, Resplendor, Manhuaçu, Fazenda Vargem Alegre, Fazenda Bragança, Santo Antônio do Manhuaçu, Dores de Manhumirim, Ipanema, Mutum, Assarai, São Seb.Da Encruzilhada (Pcd Inpe), Afonso Cláudio - Montante, Laranja da Terra, Baixo Guandu, Itaguaçu - Jusante, Jusante Córrego da Piaba, Colatina, Ponte do Pancas, Barra de São Gabriel e Linhares.
A precipitação média nas sub-bacias foi calculada utilizando-se o método de Thiessen, com dados de 60 estações pluviométricas, abrangendo o mesmo período de série histórica das vazões. As estações utilizadas foram: Malacacheta, Águia Branca, Tumiritinga, Sao Pedro do Suaçui, Coroaci, Guanhães, Santa Maria do Suaçui, Povoação, Itarana, São João de Petrópolis, Cavalinho, Colatina (Pcd Inpe), Pancas, Itaimbe, Novo Brasil, Barra de São Gabriel, Caldeirão, Jacupemba, Rio Bananal, Serraria (Alto do Moacir), Ipanema, Baixo Guandu, Resplendor-Jusante, Barra do Cuietê - Jusante, Assarai - Montante, Laranja da Terra, Ibituba, São Sebastião da Encruzilhada (Pcd Inpe), Santo Antônio do Manhuaçu, Alto Rio Novo, Cachoeira Escura, Bom Jesus do Galho, Vermelho Velho, Rio Piracicaba, Conceição do Mato Dentro, Ferros, Santa Barbara, Santa Maria de Itabira, Morro do Pilar, Usina Peti, Dores do Manhumirim, Afonso Cláudio - Montante, Manhuaçu, Raul Soares - Montante, Abre Campo, Rio Casca, Seriquite, São Miguel do Anta, Matipó, Ponte Nova - Jusante (Pcd Inpe), Fazenda Cachoeira D'antas, Acaiaca - Jusante, Piranga, Fazenda Paraíso, Porto Firme, Usina da Brecha, Braz Pires, Fazenda Ocidente e Colégio Caraça, Desterro do Melo.
A caracterização das regiões hidrologicamente homogêneas foi obtida por meio de critérios físicos e estatísticos, baseados no escoamento superficial, características fisiográficas, distribuição de freqüência das vazões adimensionalizadas e nos resíduos da equação de regressão múltipla da vazão média.
Aplicaram-se dois métodos de regionalização de vazão. O primeiro ajusta distribuições teóricas de probabilidades as séries históricas de vazões de cada estação, para diferentes períodos de retorno e, a seguir, aplica regressão múltipla entre estas vazões e as características físicas e climáticas das sub-bacias. O segundo adimensionaliza as curvas individuais de probabilidades, com base em seu valor médio e estabelece uma curva adimensional regional média das estações com a mesma tendência. O valor médio (das mínimas e das máximas) é regionalizado em função das características físicas e climáticas das sub-bacias, através de uma equação de regressão múltipla.
Empregando os modelos das vazões e funções específicas (curvas de permanência e de regularização) estatisticamente ajustadas na regionalização hidrológica e utilizando-se o ambiente de sistemas de informações geográficas, procedeu-se a geração e o armazenamento das variáveis regionalizadas, em pontos eqüidistantes ao longo de todos os cursos d'água da região estudada.
Foram identificadas duas regiões hidrologicamente homogêneas para as vazões médias, mínimas e curvas de regularização, denominadas de regiões I e II, e três regiões para as vazões máximas denominada de região III, quais sejam: Região I: Das nascentes do rio Piranga até a estação fluviométrica de Cachoeira Escura abrangendo uma área de drenagem de 24.204 km2 (código da estação 5672000 – coordenadas: 19,33S e 42,37W) localizada no trecho da calha do rio Doce entre a foz do rio Piracicaba e a foz do rio Santo Antônio no rio Doce e contendo os afluentes principais: Piranga, Xopotó, Turvo, Carmo, Peixe, Casca, Mombaça, Matipó, Sacramento, Piracicaba; Região II: Restante da bacia do rio Doce até sua foz no oceano Atlântico (excluindo a bacia do rio Suaçui Grande), abrangendo uma área de drenagem de 37.596 km2 e contendo os afluentes principais: Santo Antônio, Corrente Grande, Saçuí Pequeno, Traíras, Caratinga, Laranjeiras, Eme, Resplendor, Manhuaçu, Guandu, Santa Joana, Santa Maria do Doce, Pancas, Bananal e São José; e Região III: Bacia hidrográfica do rio Saçuí Grande, de suas nascentes até sua foz, no rio Doce, com uma área de drenagem de 21.600 km2.
Os resultados da aplicação dos métodos de regionalização das vazões mínimas e máximas indicaram o método II nas regiões hidrologicamente homogêneas identificadas neste estudo. A vazão média de longo período foi regionalizada desconsiderando o nível de risco, ou seja, com base nas estatísticas dos resultados da aplicação da regressão múltipla da vazão média com as características físicas e climáticas das sub-bacias em estudo.
As distribuições que apresentaram melhor ajustamento foram a de Weibull nos eventos mínimos e a Gumbel nos eventos máximos.
Os parâmetros das distribuições foram estimados pelo método dos momentos, enquanto a eficiência do ajustamento foi testada pelo método de Kolmogorov-Smirnov.
Para as vazões médias de longo período, vazões mínima de sete dias de duração e período de retorno de 10 anos e vazões mínimas com permanência de 50 a 95% a área de drenagem da bacia e a precipitação média anual foram as variáveis independentes selecionadas no modelo nas duas regiões hidrologicamente homogêneas identificadas. As demais variáveis acrescentaram pouca informação a regressão. Já para as vazões máximas diárias anuais, associadas aos períodos de retorno de 2, 10, 20, 50, 100 e 500 anos, a área de drenagem e a precipitação do semestre mais chuvoso foram as variáveis que apresentaram melhor ajustamento.
Observando os limites das regiões hidrologicamente homogêneas verifica-se que os modelos encontrados neste trabalho permitem, em qualquer seção dos cursos d'água da bacia hidrográfica do rio Doce, estimar:
a) |
vazões específicas mínimas de sete dias de duração, associadas aos períodos de retorno de 2, 5 e 10 anos |
b) |
vazões específicas máximas diárias anuais, associadas aos períodos
de retorno de 2, 10, 20, 50, 100 e 500 anos
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c) |
vazão específica média de longo período
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d) |
vazões com permanência de 50% a 95%
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e) |
volumes para regularização de vazões
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É importante registrar que nos estudos hidrológicos (regionalização hidrológica) realizados no âmbito do programa HIDROTEC, que serviram de base para elaboração do “Atlas Digital das Águas de Minas”, foram utilizados séries históricas de 318 estações fluviométricas (sub-bacias) e 378 estações pluviométricas. As referidas estações hidrológicas foram importadas de arquivos disponibilizados na internet pela Agência Nacional de Águas (ANA), através do sistema de Informações Hidrológicas (HidroWeb), no endereço (http://hidroweb.ana.gov.br).
A aplicação da tecnologia contida nesse website permitirá que os órgãos responsáveis pela gestão dos recursos hídricos em níveis federal, estadual e de bacia hidrográfica, obtenham informações confiáveis quanto à disponibilidade de água a fim de possibilitar o melhor atendimento às demandas de outorga de direito de uso de água, bem como fornecerá tecnologia adequada aos usuários interessados no planejamento, dimensionamento e manejo de projetos, que demandam uso consuntivo desse precioso líquido.
Dentro os projetos e obras hidráulicas que mais utilizam as tecnologias geradas citam-se: vertedores de barragens, diques marginais, canais, bueiros, galerias pluviais, pontes, projetos de irrigação e drenagem, projetos de abastecimento d'água e de pequenas centrais hidrelétricas, estudos da qualidade da água, volume de regularização, outorga de uso de água superficial, navegação, controle de enchentes e seca, sistemas de drenagem dentre outros.
As informações hidrológicas regionalizadas desta sub-bacia em estudo, como das demais bacias hidrográficas do estado de Minas Gerais, estão disponíveis através de mecanismos de busca a qualquer usuário conectado a Internet no endereço http://www.atlasdasaguas.ufv.br.
A consistência metodológica, aqui descrita, resultou de uma análise realizada em bacias hidrográficas cujas áreas de contribuição variaram de 272 a 24.204 km2, na região I e de 301 a 78.456 km2 na região II para as vazões médias de longo período, mínimas de sete dias de duração, vazões obtidas da curva de permanência e as vazões obtidas das curvas de regularização. Já para as vazões máximas diárias anuais, na região III, o intervalo variou de 670 a 10.200 km2. Certa cautela é aconselhável, no caso de estimativas para áreas de bacias de drenagem fora destes intervalos.
Ressalta-se aqui a necessidade de otimização da rede hidrométrica local, pelo aumento do número de estações e recuperação daquelas que sejam deficientes.
Este estudo deverá ser atualizado assim que se tornem disponíveis séries mais longas das estações selecionadas e/ou novas estações fluvio-pluviométricas.
Humberto Paulo Euclydes; Paulo Afonso Ferreira; Reynaldo Furtado F. Filho; Elvis Paulo de Oliveira.
A "primeira regionalização hidrológica" realizada nessa bacia, no âmbito do programa HIDROTEC, foi apresentada no Simpósio sobre Recursos Hídricos e Desenvolvimento Sustentado da Agricultura, Universidade Federal de Viçosa - MG, Abril 1996.
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Fonte: EUCLYDES et al. (2010v4)