Átlas Digital das Águas de Minas - Uma ferramenta para o planejamento e gestão dos recursos hídricosÁtlas Digital das Águas de Minas - Uma ferramenta para o planejamento e gestão dos recursos hídricos


Consulta Informativa

- Impacto ambiental relevante na sub-bacia do rio Riachão, Norte de Minas Gerais

Rio Riachão: Palco de um conflito histórico pelo uso das suas águas

Essa consulta informativa objetiva fornecer um panorama histórico da disputa pela água, entre grandes irrigantes, em número de oito, e cerca de 3.000 famílias de pequenos produtores localizados nas margens do rio Riachão.

De um lado da disputa está o grupo dos agricultores empresários com alto padrão tecnológico que acredita que o uso da água deve garantir o “desenvolvimento regional”, mesmo que isso promova impactos.

Do outro lado, está o grupo dos pequenos produtores, que não dispõem das tecnologias que são utilizadas pelos agricultores empresários para conseguir água e tradicionalmente utilizam água superficial e por isso se vêem com problemas de acesso devido ao rebaixamento do lençol freático, restando-lhes, num primeiro momento, duas alternativas: adquirir as bombas de sucção e perfuração de poços artesianos (prática extremamente cara) ou depender dos carros-pipa enviados exporadicamente pela Prefeitura Municipal de Montes Claros.

A sub-bacia do Riachão possui uma área total de 1.130 km2 e pertence à bacia do rio Pacuí que é afluente do São Francisco pela margem direita. O rio Riachão nasce na Lagoa Tiririca, no município de Montes Claros, norte de Minas Gerais e se estende pelos municípios de Mirabela, Coração de Jesus e Brasília de Minas, percorrendo um trecho de 96 Km, com vários afluentes intermitentes e alguns perenes, tendo ainda como contribuinte a Lagoa do Barro e a vereda Aricuri. De acordo com Atlas (2007) a vazão mínima de sete dias de duração e período de retorno de 10 anos (Q7,10) e a vazão média de longo período (Qmlp) na foz do Riachão correspondem a 1,22 m3/s e 13,54 m3/s, respectivamente.

As localidades situadas ao longo do rio Riachão, nas quais vivem as famílias acima citadas são: Pau’óleo, Riacho dos Campos, Mandacaru, Dona Delfina, Cantagalo, Lobo, Traçadal, Ponte Grossa, Brejão, Jangada, Fumo, Pindaíba, Tamboril, Alvação, Caiçara, Lamarrão, Córrego D’anta, Riachão, Espora, Salto, Retiro, Areal, Cachoeira, Olho D’água, Atoleiro e Apolinário.

Em função das atividades antrópicas desenvolvidas ao longo dos anos a área da sub-bacia do rio Riachão foi bastante modificada no que se refere ao uso e ocupação do solo, resultando num cenário de total degradação. Isto somado ao uso intensivo da água para irrigação que culminou numa acirrada disputa pela água, que já dura 18 anos.

O cultivo praticado pelos agricultores familiares tem origem em uma tradição que explora os terrenos férteis do leito do rio, aproveitando-se das cheias e vazantes. Nessas terras, parcialmente alagáveis, as populações ribeirinhas fazem uso agrícola, pecuário e pesqueiro. Já, no entorno da Lagoa do Tiririca, nascente do rio Riachão, os produtores desenvolveram a agricultura irrigada, usando padrão tecnológico com a mecanização, corretivos para o solo, adubos químicos e agrotóxicos.

Os conflitos pelo uso da água na sub-bacia do rio Riachão tiveram início em 1991, com a utilização mais intensiva da água, diretamente da Lagoa Tiririca, com instalação de pivôs centrais para irrigação de culturas de grãos e frutas. Até então os pequenos produtores rurais sobreviviam do cultivo de arroz, milho, feijão, cana, mandioca e hortifrutigranjeiros, que abasteciam os mercados locais de Montes Claros e Belo Horizonte. Com os problemas de escassez de água cada vez mais freqüente a produção ficou prejudicada, causando inúmeros problemas para os produtores (FRÓES & HAMDAN, 2005).

Em 1995 o rio Riachão secou pela primeira vez. A partir deste ano as captações de água na Lagoa Tiririca foram sendo substituídas por explotação de água subterrânea, com a instalação de poços tubulares às margens da Lagoa. Este fato levou à inúmeros questionamentos sobre a possível interferência dos poços no regime hidrológico do rio Riachão. Em 2002, mais uma vez o rio Riachão seca abaixo da lagoa da Tiririca, deixando toda uma população sem água para consumo humano e animal, numa extensão de 70 km (CTP-MG, 2009).

As Figuras 1, 2 e 3 ilustram fotos do rio Riachão referente ao artigo “Disputa d’água no Riachão” publicado pelo jornal Estado de Minas em 26 de outubro de 1996.


Figura 1 – Lagoa às margens do Riachão, no município de Coração de Jesus, totalmente seca, graças à ganância dos grandes irrigantes.
Figura 1 – Lagoa às margens do Riachão, no município de Coração de Jesus, totalmente seca, graças à ganância dos grandes irrigantes.
Fonte: Foto retirada do Jornal Estado de Minas.

Figura 2 – Riachão praticamente seco: bombas retiram, impiedosamente, a água. Figura 3 – Produtor José Nelson mostra o nível original da água no Riachão.
Figura 2 - Riachão praticamente seco: bombas retiram impiedosamente, a água.
Fonte: Foto retirada do Jornal Estado de Minas.
Figura 3 – Produtor José Nelson mostra o nível original da água no Riachão.
Fonte: Foto retirada do Jornal Estado de Minas.

Vale destacar que a partir de 2002 os problemas gerados pelo conflito instalado na bacia do rio Riachão passaram a ser discutidos no âmbito dos Conselhos Estadual de Política Ambiental – COPAM de Recursos Hídricos – CERH-MG, com a participação intensa de todos os envolvidos no conflito. Após várias discussões, decidiu-se que o fórum mais adequado para a resolução do problema seria o CERH-MG, onde foram apresentadas propostas para restrição do uso de água pelos irrigantes do entorno da Lagoa e a necessidade de realização pelo órgão gestor de mais estudos sobre a disponibilidade hídrica da bacia. As propostas foram aprovadas e estão sendo implementadas pelo IGAM. Dentre as ações adotadas pelo IGAM estão a fiscalização contínua dos usos de água e instalação de equipamentos para monitoramento das vazões ao longo da calha do rio Riachão e linígrafos para controle do nível das águas subterrâneas (FRÓES & HAMDAN, 2005).

Em janeiro de 2004, com base em deliberação normativa aprovada pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH), de novembro de 2003 os pivôs foram lacrados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Essa decisão teve grande repercussão na região, mas infelizmente, por determinação judicial, as bombas foram religadas, os projetos de irrigação voltaram a funcionar e os problemas continuaram (CTP-MG, 2009).

Buscando uma melhoria da oferta de água na bacia, o IGAM realizou, em parceria com a comunidade local, algumas intervenções como: construção de 70 bacias de contenção para melhorar a retenção e infiltração de água de chuva e construção de caixas de captação de água de chuva, construção de 13 mini-barragens de madeira, argila e solo cimento no leito do rio Riachão e recomposição da vegetação ciliar em alguns trechos do rio e aproveitamento do excedente da água do poço jorrante para alimentação do rio Riachão. Outros trabalhos foram elaborados pelo IGAM, todos com o objetivo de se conhecer a real situação da disponibilidade hídrica da bacia, para subsidiar um manejo adequado dos projetos de irrigação existentes (FRÓES & HAMDAN, 2005).

É importante mencionar que em 19 de maio de 2005, o Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CERH-MG através da Deliberação Normativa nº 16 estabelece medidas emergenciais de recuperação e uso sustentável da bacia do rio Riachão. Dentre as várias medidas importantes de gestão estabelecidas nessa DN, cita-se a elaboração do Plano de Uso das Águas Superficiais e Subterrâneas da bacia do referido rio (CERH, 2005). Vale ressaltar, também, que essa foi a última norma do CERH-MG sobre o Riachão.

Considerações finais

Muitos estudos e trabalhos técnicos foram elaborados, no entanto os conflitos ainda persistem, mas muitos avanços já estão ocorrendo, na busca de uma solução pacífica, principalmente com a participação do IGAM e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos do Estado de Minas Gerais.

É importante conhecer situações e culturas locais antes de pensar em políticas ou projetos a serem desenvolvidos. É necessário, também, diferenciar essas singularidades por programas de ação, pois assim como os problemas são diversificados, as soluções também não deveriam ser uniformizadas. Será preciso pensar em formas do geral se encontrar com o particular; isso só será possível se cada particularidade – de uso, gestão e conhecimento – vier a ser a base da norma geral de regulação das águas.

Bibliografia

RIBEIRO, L.A. A disputa d’água no Riachão. jornal Estado de Minas, Belo Horizonte, 26 out.1996. caderno estado ecológico, p.3.

ATLAS digital das águas de Minas ; uma ferramenta para o planejamento e gestão dos recursos hídricos. Coordenação técnica, direção e roteirização Humberto Paulo Euclydes. 2. ed. Belo Horizonte : RURALMINAS ; Viçosa, MG : UFV , 2007 . 1 CD-ROM. ISBN 85-7601-082-8. Acompanha manual.

Comissão Pastoral da Terra-MG. Riachão: Trajetória documental de um rio marcado para morrer. Disponível em: < htpp://www.cptmg.org.br/artigo29.html >. Acesso 17 mar. 2009.

FRÓES, C.M.B; HAMDAN, M.J. Os desafios da gestão de recursos hídricos em região de escassez e conflito pelo uso da água no estado de Minas Gerais: o caso do rio Riachão. In: XVI SIMPÓSIO BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS, 2005, João Pessoa. Resumos...João Pessoa: ABRH, 2005. CD-Rom.

CONSELHO ESTADUAL DE RECURSOS HÍDRICOS – CERH (2005). Deliberação Normativa CERH-MG nº 16 de 19 de maio de 2005. Estabelece medidas emergenciais de recuperação e uso sustentável da bacia do rio Riachão. Belo Horizonte, 2005. Disponível em: http://www.siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=4948. Acesso em: 18 mar. 2009.



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Fonte: EUCLYDES et al. (2010h1)